terça-feira, 24 de novembro de 2009

JUDY GARLAND "Follow the Yellow Brick Road"



Freed...

Arthur Freed.
Uma voz ressonante nos saloons de Hollywood. Ostenta a coroa de horas, dias, libras, anos de trabalho árduo, moldando os talentos do futuro. Mãos que compuseram canções. Canções que emanaram de Debbie Reynolds. Reynolds que gerou Organa. Organa, a rebelde.

Freed é um pai. Eu, Judy, ouço com atenção.
Ele me quer vestida de pano de prato. Suspensórios. Um lacinho que me faz parecer uma boneca de 1910. Fantasmagórica. Ilusória. E o que mais me encanta, sapatos de rubi. Brilhantes em meus pés... A magia de Oz em Technicolor. Sinto vertigens, ondas de calor e arrepios constantes. Uma mágica íntima que parte de uma profundeza distante qualquer.

Num teste de figurino, meus companheiros me olham com curiosidade. Ali reunidos, ouvindo mais uma vez o grande mestre, me perfuram como lâminas orgânicas. Ordenhando meu suor, a areia do meu coração humano.
Jack Haley, o Homem de Lata, tem o poder de um ente querido. Adorável como um velho conhecido. Daquelas pessoas de quem realmente sentimos falta.
Ray Bolger, o Espantalho, um companheiro de bar. Falante mesmo em toda a realidade que nos sonda. Um mestre nas artes do despertar, quando a inspiração precede o sol e se cria o tipo de beleza que só os inteligentes veem.
Bert Lahr, o Leão Covarde, é um homem nobre, gentil... Perfeitamente felino. O cavalheiro que nos conduz pela mão até o assento reservado.
E há Margaret Hamilton, claro.
Margaret... Sempre me interessei por aquela silhueta. Turva e sombria em seus momentos de glória. As mãos delicadas, naturalmente bem trabalhadas, adornadas por unhas compridas. A pele verde... Hummm. O componente orgástico. Verde como a esmeralda, como a esperança do retorno. Verde como o verdadeiro fruto do pecado. Cítrico, ácido! Doce ao fim da degustação. Como não ceder à tentação?

Os estúdios da MGM vão ficando para trás ao término de mais um dia.
Em casa, corro para o banheiro. Desnudo-me das roupas e dos sapatos de garota comum. Sob a água quente de um banho tão esperado, fecho meus olhos. E o desejo vem. E tem cheiro e tem cor. Verde! Verde!
O gosto da pele, do suor. O pulsar dos corações e das palavras ao ouvido. A gargalhada, a maldade. O choro, a clemêcia. A tudo isso se implica o desejo. E este me invade. Tenro e lúbrico. E explodo, me perco entre flâmulas mágicas...
Começo a sentir água deslizando por meus seios. E por um momento é tudo o que posso sentir. Quando abro os olhos percebo que estou de volta. Inteira. Meus pés, que me guiam, agora guiam também essa água. São os últimos pedaços de carne tocados por esse fluido vital. Depois só há o ralo, a escuridão. Com esta chuva resvalada, esvai-se também a seiva do meu desejo... Verde, como uma erva daninha a me atar entre dois mundos.

continua...

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