sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

JUDY GARLAND "No Place Like Home?"


De quantos momentos sem explicação você se lembra?
Me recordo de inúmeros. Tantas situações que não tiveram preço, nem retorno.
Contemplar os cenários de Oz foi um desses momentos em que o corpo parece se desprender da realidade e penetrar um universo diferente de tudo aquilo já visto ou imaginado. O êxtase beirava o desespero, tamanha minha surpresa. Uma taquicardia tremenda me aterrorizava, ao mesmo tempo em que os olhos lacrimejavam de intensa alegria.
O Mundo de Oz. As colinas bem verdes, distantes. Os bosques sombrios, os campos... A imponência da Cidade Esmeralda e a beleza delicada da Terra dos Munchkins.

Ora, todos devem se lembrar da desastrosa e não menos heroica chegada de Dorothy ao Mundo de Oz. Ao menos espero que se lembrem...
Quando o sépia de Kansas deu lugar ao vibrante composto de cores do arco-íris, em meu íntimo pude sentir que algo havia sido deixado para trás naquele momento... a inocência. Em um paralelo mágico ao mundo real e desbotado, onde as formas não poderiam ser mais suaves e perfeitas, uma mensagem torpe se escondia. Havia chegado a hora de assumir responsabilidades que, não importasse meu preparo, sempre pareceriam maiores. Temo que até o fim da vida não estive pronta o bastante para muitas coisas...
E não era essa a lição final? Sempre existirão aqueles seres maiores que nós próprios. Que nos toleram, nos guardam e embora em vão, procuram nos direcionar pelos melhores caminhos.
Apesar de manter os pés firmes naquilo que me pareceu mais correto, meus pensamentos afloraram para além dos deveres. Me iludi com promessas, criei tormentas e confessei falsas verdades.

De quantos momentos sem explicação eu me lembro?
Como dito antes... Inúmeros.
Mas a marca profunda que carrego até hoje, o verdadeiro olhar sobre Oz, sobre o passado, não diz respeito aos encantos, mas sim às perdas.
No momento em que deslizei os pés para dentro dos sapatos de Rubi, e então segui meu caminho de tijolos acrílicos, me dei conta que a partir dali eu não poderia mais ganhar, apenas perder. E bater os calcanhares não me ajudaria a recuperar nada... Pois uma vez trilhado, um caminho não pode ser refeito.
Em Oz descobri que qualquer ação implicando o que está adiante só me consumiria.
De fato fui consumida... Pela fama, pelo dinheiro, pelos produtores, pelos maridos, pelos filhos, pelas lembranças, pelas noites em que o sono não vinha.
E se eu pudesse voltar? Teria sido mais feliz? Teria permanecido comportada em Kansas?
Creio que não. No fundo sei que faria as mesmas escolhas... No cinema ou em qualquer outro lugar.
Para Dorothy não há nada como o lar, a infância, a castidade...
Para mim não há nada como o espetáculo. Não me importa ser correta... pois uma vida transviada também agrega potecial para aplausos.


"What good's permitting
Some prophet of doom
To wipe every smile away?
What good is sitting all alone in you room?
Come hear the music play."



terça-feira, 24 de novembro de 2009

JUDY GARLAND "Follow the Yellow Brick Road"



Freed...

Arthur Freed.
Uma voz ressonante nos saloons de Hollywood. Ostenta a coroa de horas, dias, libras, anos de trabalho árduo, moldando os talentos do futuro. Mãos que compuseram canções. Canções que emanaram de Debbie Reynolds. Reynolds que gerou Organa. Organa, a rebelde.

Freed é um pai. Eu, Judy, ouço com atenção.
Ele me quer vestida de pano de prato. Suspensórios. Um lacinho que me faz parecer uma boneca de 1910. Fantasmagórica. Ilusória. E o que mais me encanta, sapatos de rubi. Brilhantes em meus pés... A magia de Oz em Technicolor. Sinto vertigens, ondas de calor e arrepios constantes. Uma mágica íntima que parte de uma profundeza distante qualquer.

Num teste de figurino, meus companheiros me olham com curiosidade. Ali reunidos, ouvindo mais uma vez o grande mestre, me perfuram como lâminas orgânicas. Ordenhando meu suor, a areia do meu coração humano.
Jack Haley, o Homem de Lata, tem o poder de um ente querido. Adorável como um velho conhecido. Daquelas pessoas de quem realmente sentimos falta.
Ray Bolger, o Espantalho, um companheiro de bar. Falante mesmo em toda a realidade que nos sonda. Um mestre nas artes do despertar, quando a inspiração precede o sol e se cria o tipo de beleza que só os inteligentes veem.
Bert Lahr, o Leão Covarde, é um homem nobre, gentil... Perfeitamente felino. O cavalheiro que nos conduz pela mão até o assento reservado.
E há Margaret Hamilton, claro.
Margaret... Sempre me interessei por aquela silhueta. Turva e sombria em seus momentos de glória. As mãos delicadas, naturalmente bem trabalhadas, adornadas por unhas compridas. A pele verde... Hummm. O componente orgástico. Verde como a esmeralda, como a esperança do retorno. Verde como o verdadeiro fruto do pecado. Cítrico, ácido! Doce ao fim da degustação. Como não ceder à tentação?

Os estúdios da MGM vão ficando para trás ao término de mais um dia.
Em casa, corro para o banheiro. Desnudo-me das roupas e dos sapatos de garota comum. Sob a água quente de um banho tão esperado, fecho meus olhos. E o desejo vem. E tem cheiro e tem cor. Verde! Verde!
O gosto da pele, do suor. O pulsar dos corações e das palavras ao ouvido. A gargalhada, a maldade. O choro, a clemêcia. A tudo isso se implica o desejo. E este me invade. Tenro e lúbrico. E explodo, me perco entre flâmulas mágicas...
Começo a sentir água deslizando por meus seios. E por um momento é tudo o que posso sentir. Quando abro os olhos percebo que estou de volta. Inteira. Meus pés, que me guiam, agora guiam também essa água. São os últimos pedaços de carne tocados por esse fluido vital. Depois só há o ralo, a escuridão. Com esta chuva resvalada, esvai-se também a seiva do meu desejo... Verde, como uma erva daninha a me atar entre dois mundos.

continua...

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

JUDY GARLAND "What Happened Then Was Rich"


1938.

A realidade distorcida em puro deleite. Melodias delirantes, imagens que cintilam por mais de 70 anos em viagens astrais, psicóticas, rock'n roll desvairado sobre películas de ouro. Em tudo isso minha mente era suprida por Hollywoodland.
Me lembro bem daquele dia quente em que Mickey Rooney bateu na minha porta. Eu havia acabado de acordar, ainda vestindo aquela saia plissada cor de rosa. Com os peitos a mostra, deixei meu velho amigo entrar. Numa cordialidade apressada, ofereci a ele um scotch que abrilhantava a mesa da cozinha.
"O que veio fazer aqui?" Perguntei.
"Onde você esteve?" Ele encarava meus peitos com uma expressão que Blake Edwards recriaria anos mais tarde.
"O que veio fazer aqui?"
O velho e querido Mic! Retirou um envólucro da cueca, que imediatamente reconheci por uma obra de arte caribenha. Marijuana prensada. Rooney sempre fora um cowboy incompreendido... Partiu seu pequeno bloco de erva e em pouco tempo ali estava um perfeito cigarro alucinante, respingando saliva pop.
"Onde está o isqueiro?" Indagou ele.
"No recheio de Donald Duck..."
Minutos mais tarde estávamos jogados em meu quarto. Mickey sem camisa, deitado sobre o tapete. Saboreando o baseado, tragava e soltava rodelas de fumaça. Os pés descalços, como sempre preferi... Os dedos roçando uns aos outros.
Eu observava de minha cama. Deitada de bruços, o queixo sobre as mãos.
"Sua vez, Judy La Mamba Gumm..."
Toquei o rolo quente, incendiando com a excitação. Levei-o à boca e meus lábios primeiro se pressionaram e depois sugaram o ar venenoso, inflamado. E meu corpo se abrasou em contentamento. Cada poro, cada orifício, agarrando-se à liberdade e ao desejo de evidenciar a existência com um grito lascivo e mortal.
Fechei os olhos e já não podia mais distinguir o que era a vida, ou o que era a minha fantasia. Só havia as mãos de Mickey sobre meu corpo e a melodia que preenchia minha mente, vinda de um íntimo misterioso...

"Some boys take a beautiful girl
And hide her away from the rest of the world

I wanna be the one to walk in the sun
Oh girls they wanna have fun

Oh girls just wanna have..."

O telefone toca dando fim ao ato de inosculação mental.
"A-alô?"
"Judy? Querida?" Oh, saco! "Querida, tenho uma excelente notícia!"
É Arthur Freed. Compositor, produtor, milionário e pedófilo.
"Sim, senhor Freed?"
"O que estava fazendo? Parece atordoada, meu anjo." Para ele ainda sou virgem.
"Estava fazendo a lição de literatura."
"Ótimo! Devo crer, portanto, que é familirizada com a obra de Baum! Correto?"
"Não estou tão certa, senhor Freed..."
"Ora! The Wonderful Wizard of Oz! Judy, querida, prepare-se para a maior onda de todas!"


continua...

POR MEUS OLHOS QUE TUDO VIRAM E VIVERAM

Welcome ao KINÓPTICO!

Você vai se lembrar daquele filme histórico. Dos astros fantásticos que permearam sua cabecinha infante. Ora, pois não se recorda dos fumos obscenos de Bette Davis? Do chapinhar na chuva de Gene Kelly? Ou do nabo da promessa de Lady O'Hara?
Sim ou não... O Kinóptico é o lugar para descobrir e redescobrir.

Aqui, onde o real e o surreal se fundem, encontrará relatos inéditos do universo de Hollywood.
Observará tudo aquilo visto por olhos famosos... Porém, que ninguém se importou em contar.
Uma nova forma de olhar o que você julgava já ter enxergado. Ou testemunhar aquilo que você perdeu.

Agora tudo começa!
Judy Garland reconta a produção de O MÁGICO DE OZ.
Abra os olhos dos fundos... Vai ser um delírio!